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Corrupção: A engenharia da decadÊncia que desafia o tempo

Por Luciano Martins

No Brasil, esse mal resulta em perdas anuais estimadas entre 1% e 5% do Produto Interno Bruto (PIB). Considerando o PIB de 2023, que alcançou R$ 10,9 trilhões, essas perdas podem chegar a aproximadamente R$ 545 bilhões ao ano. Recursos que, se corretamente aplicados, poderiam transformar vidas, reduzir desigualdades e fortalecer o desenvolvimento nacional. No entanto, a engrenagem que movimenta a ganância e o poder desmedido perpetua um ciclo de injustiça e desigualdade, alimentando um sistema que parece imune ao tempo.

Essa resistência da corrupção à passagem dos séculos não é um acidente, mas uma característica intrínseca de sua natureza. Desde os mitos e narrativas ancestrais, a corrupção já se apresentava como a tentação de abandonar a virtude em troca de vantagens imediatas. Fausto, Prometeu e Tântalo são exemplos clássicos de figuras que, ao ceder à ambição, enfrentaram consequências devastadoras. Na tradição cristã, Judas simboliza a corrupção em sua forma mais traiçoeira ao vender Cristo por trinta moedas de prata. Essas narrativas revelam que a corrupção não é apenas um ato isolado, mas uma violação de pactos sociais e divinos, uma traição à confiança e à dignidade humana.

Desde a antiguidade, a filosofia buscou compreender esse fenômeno. Platão alertava que governantes corruptos transformariam a política em tirania. Aristóteles via na corrupção o desvirtuamento da ordem natural. Maquiavel reconheceu que ela não apenas destrói impérios, mas também impulsiona sua decadência. Essas reflexões evidenciam que a corrupção não é um problema contemporâneo, mas uma constante que atravessa os séculos.  

Com o passar das eras, a corrupção evoluiu de desvios individuais para esquemas complexos e institucionalizados. O Império Romano sucumbiu ao luxo e à venalidade política; a Igreja medieval perdeu autoridade moral com a venda de indulgências. No Brasil, a simbiose entre poder público e interesses privados consolidou a corrupção como engrenagem oculta do Estado. Desde o período colonial, em que cargos eram negociados como mercadorias, até os escândalos recentes, percebe-se que a corrupção se enraizou como instrumento de governabilidade, imune a ciclos políticos e reformas pontuais.  

O Índice de Percepção da Corrupção (IPC) de 2023 classificou o Brasil na 104ª posição entre 180 nações, com 36 pontos em uma escala de 0 a 100. O dado evidencia a fragilidade das instituições e a urgência de reformas profundas. O professor Modesto Carvalhosa destaca que a promiscuidade entre o público e o privado é um traço estrutural da política nacional. A Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), concebida como um azimute da transparência, revelou a profundidade do problema ao expor esquemas de licitações fraudadas, obras superfaturadas e desvios de verbas públicas. Tais práticas não apenas drenaram recursos, mas corroeram a confiança institucional, enfraquecendo o Estado de Direito e perpetuando desigualdades.

Hospitais sucateados, escolas precárias e infraestruturas inacabadas ilustram um sistema que prioriza o interesse de poucos em detrimento do bem comum. A corrupção não é exclusividade do Brasil, mas sua permanência ininterrupta alerta para a necessidade urgente de transformação cultural e institucional. A história comprova que impérios não ruíram apenas por forças externas, mas também pela decomposição interna provocada pela venalidade. Se Roma, a Igreja medieval e as monarquias absolutistas enfrentaram crises profundas devido à corrupção, passou da hora de o Brasil aprender com esses exemplos e romper seu próprio ciclo de decadência.  

Boa parte da civilização conhece o episódio bíblico da tentação de Jesus no deserto. Desafiado a transformar pedras em pão, Ele recusou-se a ceder ao poder que o tentava corromper. Hoje, os corruptos fazem o oposto, e sem qualquer resistência: transformam o pão de muitos em pedra, alheios a necessidade da grande maioria. A corrupção não é apenas um crime; é uma perversão da ordem, uma violação do pacto social e da dignidade humana.

A transformação começa com a educação cívica, que deve promover valores como integridade, transparência e responsabilidade social desde cedo. Além disso, é imprescindível ampliar a transparência no uso de recursos públicos, utilizando tecnologias como blockchain e portais de dados abertos para monitorar gastos e licitações. A participação cidadã também é crucial, seja por meio de denúncias, fiscalização ou engajamento em conselhos municipais e audiências públicas. Por fim, reformas no sistema político são necessárias para reduzir a influência do poder econômico nas eleições e fortalecer mecanismos de accountability.

 Sobre o Autor

Luciano Martins é advogado, assessor parlamentar e vice-presidente da União Brasileira de Apoio aos Municípios (UBAM) no Estado de Mato Grosso do Sul. Atuou como secretário-adjunto de Governo, controlador-adjunto e diretor-presidente da Fundação Social do Trabalho no Município de Campo Grande (Funsat).

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